Rio de Janeiro, 12 de julho de 2006
À Promotoria de Meio Ambiente
De acordo com o disposto no artigo 5º, LXXIII da Constituição Federal ( "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.") , venho por meio deste denunciar o grave dano ambiental e ao patrimônio cultural que está ocorrendo no imóvel situado no Largo do Boticário nº 20, tombado pelo INEPAC em 12/09/1990, invadido por integrantes do "movimento terra, trabalho e liberdade" no dia 06 de julho passado.
O Largo do Boticário, além de possuir os imóveis nº 20, 26, 28 fundos, 30 e 32 tombados, bem como a casa 4 do Beco do Boticário, tem a sua ambiência preservada pela A.P.A.C. do Cosme Velho, e certamente é um lugar especial único na Cidade do Rio de Janeiro, de uma importância inestimável. Ele constitui um recanto bucólico do Rio de Janeiro, rodeado pela Mata Atlântica e pelo Rio Carioca, O eclético conjunto de edificações do século passado, cujas características originais mantêm-se até hoje, foi restaurado na década de 1930, na administração do prefeito Henrique Dodsworth, com projeto de Lúcio Costa.
Cabe ao Poder Público proteger os marcos históricos da cidade, e evitar que o seu patrimônio cultural seja depredado. A invasão ocorrida nesta casa, além do grave dano ao patrimônio cultural, representa um grande perigo de servir de exemplo para que outras invasões ocorram, colocando em risco o inciso XXII do artigo 5º da Constituição Federal, que garante o direito de propriedade aos cidadãos. Esta invasão poderá gerar um sentimento de insegurança e revolta entre as pessoas, que passarão a sentir-se ameaçadas com os possíveis desdobramentos que esta baderna, que até então se restringia às áreas rurais, pode vir a causar nos centros urbanos, e em especial, na cidade do Rio de Janeiro.
É completamente inadmissível e inaceitável que o Poder Público se omita neste caso, onde um imóvel tombado, situado em um lugar, que atrai turistas do mundo inteiro para visitá-lo, e que sem nenhum exagero, é considerado uma das áreas históricas mais importantes da cidade do Rio de Janeiro. O imóvel em questão, em função do número de pessoas que a invadiram, corre um sério risco de sofrer danos irreparáveis, portanto, uma liminar para a sua desocupação de forma imediata faz-se necessária.
O inciso XII, do artigo 2º do Estatuto da Cidade, que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal e estabelece diretrizes gerais da política urbana, dispõe que:
"Art. 2º - A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
............................
XII - proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico."
Diz o artigo 182 da Constituição Federal:
"Art. 182 "A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes." "
Ainda sobre a Preservação, diz a Constituição Federal, nos seus artigos 23 e 216:
"Art. 23 - É competência comum da União, dos Estados, do DF e dos Municípios:
...........................
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;-"
Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos de formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação."
Sobre a Política de Meio Ambiente e Valorização do Patrimônio Cultural, dispõe o Plano Diretor:
"Art. 112 - A política de meio ambiente de valorização do patrimônio cultural do Município visa à proteção, recuperação e conservação da memória constituída da Cidade, suas paisagens e seus recursos naturais, na realização dos seguintes objetivos:
I - garantia de integridade do patrimônio ecológico, genético, paisagístico e cultural do Município;
II - utilização racional dos recursos naturais e culturais;
III - incorporação da proteção do patrimônio cultural e paisagístico ao processo permanente de planejamento e ordenação do território;
.....................
Art. 122 - São instrumentos básicos para realização dos objetivos definidos no art. 112, além de outros previstos nesta Lei Complementar e na legislação federal, estadual e municipal.
..........................
IV - o tombamento e criação de Áreas de Proteção do Entorno dos Bens Tombados;
Art. 130 - O programa de proteção e valorização do patrimônio cultural e do ambiente urbano compreenderá:
I - a delimitação e declaração de Áreas de Proteção do Ambiente Cultural e definição dos critérios de proteção;......................"
Pelo acima exposto, solicito ao Ministério Público que proponha uma Ação Civil Pública, inclusive com pedido de liminar, haja visto o dano irreparável ao Meio Ambiente e ao Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural da Cidade do Rio de Janeiro, com a invasão e risco de destruição de um bem tombado, importante representante do patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro.
Tenho a certeza de poder contar com o Ministério Público, e em especial a Promotoria do Meio Ambiente, sempre presente na defesa do patrimônio ambiental e cultural de uma forma extremamente aguerrida e competente, para defender tão ímpar patrimônio da cidade. Não apenas os moradores da cidade, mas também turistas de todo o mundo que lá vão contemplar tão belo e bucólico ambiente, agradecem.
Atenciosamente
Vereadora Leila do Flamengo Maria Maywald Presidente em exercício da C.M.R.J
Aos Exmos. Drs.
Promotores de Justiça do Meio Ambiente
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