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Sob os arcos do MAM
À ditadura militar não interessavam as críticas inerentes aos textos e/ou interpretações teatrais...
Por Gilson Nazareth




Laranjeiras (bairro de todos)
No concurso Laranjeiras em Prosa e Verso, houve, por regulamento, dois primeiros lugares na poesia.


MACRO & MICRO

Gilson Nazareth
Mestre em Educação IESAE - FGV
Doutor em Comunicação e Cultura ECO - UFRJ



Sob os arcos do MAM


À ditadura militar não interessavam as críticas inerentes aos textos e/ou interpretações teatrais. O grande teatro vivia, então, debaixo de fortes luzes. Autores, diretores e atores de sucesso ficavam expostos à mídia e à curiosidade popular. Assim expostos, com suas vidas e convicções conhecidas do público, ficava difícil, aos famosos do teatro, se furtarem aos excessos e arbitrariedades do governo militar. O mesmo não acontecia,nos anos de chumbo, com o teatro semi-profissional e amador. Às companhias deste segmento somava um quantitativo imensurável, uma vez que estavam pulverizadas, dispersas e desconhecidas. O controle da censura sobre esta miríade de pequenos grupos era, na prática, difícil e sobretudo ineficiente. O papel de resistência cultural foi desempenhado anonimamente e, por isto mesmo, com imensa capilaridade na opinião pública. Alguns chegaram às características de um movimento cultural como que orquestrado.

Um destes grupos desenvolveu-se no aterro do Flamengo, nos jardins do MAM. Sob os arcos botantes do MAM, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, abrimos espaços para muitos grupos a começar pelos nossos: Escravos de Jó e Malinesa. O grupo chamava-se Escravos de Jó ou Malinesa conforme o diretor da peça: Lia Brant ou Lucio Ypiranga. O grupo teve origem em um curso livre de teatro do qual sairia uma companhia profissional de teatro infantil: O Degrau. A companhia acabou se dissolvendo devido às acusações de mau comportamento financeiro dos dois rapazes que a dirigiam. Com a dissolução do Degrau, os componentes ficaram sem ter onde ensaiar. Foram aventados vários locais e acabaram por aceitar nossa proposta:os arcos botantes do MAM, sobretudo por serem grátis. Nesta época não havia se inaugurado a caça aos usuários de vias públicas, mesmo quando este uso se estendia pela noite adentro.

As peças que a censura menos limitava eram as infanto-juvenis,musicais e de temas regionais nordestinos ou nortistas. Foi neste viés que embarcamos com peças de Luiz Mendonça, conhecidíssimo, e de José de Arimathéa, um paraense até hoje desconhecido. Peças regionais expunham as injustiças sociais e o abandono do campo mas a censura só via nelas o pitoresco; por sorte, toda censura é burra. José de Arimathéa partia de recortes de jornais que reportavam o
cais do porto de Belém do Pará; sobretudo, notícias do meretrício e do crime.

Uma das peças de sucesso, para nós semiprofissionais, foi Um cabaret chamado Raimunda. Nesta peça havia uma personagem, tirada da realidade do porto e bas-fond: Lola Batalhão. O ator que a interpretou acabou por incorporar o personagem e, hoje, é o travesti deste nome.Sem preconceito, uma pena. Perdeu-se o melhor ator do grupo e que vinha se revelando excelente diretor. O travestimento é um exercício com limitações evidentes.

Os ensaios contavam com situações inusitadas. Dois atores eram marinheiros, servindo na Escola Naval, que fugiam a nado para o ensaio. Por vezes, ao se encenarem brigas, a polícia prendia o elenco e lá íamos nós, por vezes de madrugada, explicar que a briga era uma encenação e as facas, de pau. Durante os primeiros anos fomos só nós. Depois, outros grupos vieram e outros ficaram depois que saímos de lá. Fazíamos estréias, temporadas, passávamos o chapéu e a grana dava para o rango, passagem e novas encenações. O MAM nunca nos reconheceu, nunca nos deu qualquer tipo de apoio. Até o uso de banheiros e bebedouros, aberto ao público, nos era vedado. Isto durante o funcionamento do MAM. Ao fechar o museu tudo mudava e os mesmos guardas e vigias, que nos barravam a passagem, eram os nossos aliados, eram nossos anjos da guarda. O que mais incomodava o MAM é que tínhamos, sempre, público maior que o das peças encenadas dentro do museu. Foi uma pena não terem reconhecido o movimento que nasceu às suas portas; teríamos crescido ambos: Teatro e Museu.




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Jornal da AMAL
ano 26 - nº 211
Mar-Abr/06