Guerra Santa: Moradores discutem obra no Cenáculo de Laranjeiras
Mariana Tavares
O Cenáculo de Laranjei ras, congregação re ligiosa localizada na Rua Pereira da Silva 135, está colocando os moradores da rua em pé de guerra com as freiras que residem lá. Em função das dificuldades financeiras e de manter o prédio tombado pelo patrimônio em bom estado de conservação, as freiras há dez anos lutam para colocar em prática um projeto polêmico.
Em linhas gerais, o projeto consiste na construção de dois prédios residenciais de cinco andares e 40 apartamentos ao lado do Cenáculo. Para isso, seriam derrubadas 23 árvores e o prédio em anexo, onde hoje funciona um pensionato. A obra não interferiria na capela e na casa principal. Daí surgiu-se um impasse: as freiras, antigas moradoras do bairro, não têm condição financeira de manter o prédio. A solução encontrada foi a venda de parte de um bem que lhes é de direito. Em contrapartida, os moradores consideram o projeto uma agressão ao bairro e a natureza.
Reunião dura quatro horas
Na tentativa de encontrar uma solução para o caso, no último dia 5 de julho, a Associação de Moradores e Amigos de Laranjeiras (Amal) abriu as portas de sua sede para que os moradores da rua Pereira da Silva e redondeza pudessem ter acesso ao projeto desenvolvido pelo arquiteto Edison Musa e ouvissem as considerações das irmãs sobre a decisão de vender parte de seu patrimônio. O encontro extrapolou a capacidade do salão principal da Associação, que viu uma multidão de ânimos exaltados discutir por quase quatro horas ininterruptas. Ao final da apresentação do projeto feita pelo arquiteto, os moradores puderam questionar a obra e fazer perguntas ao advogado do Cenáculo, Dr. Paulo Leão.
- Sou radicalmente contra, pois esta é a pior solução para manter o Cenáculo. Sou arquiteto, com pós em engenharia e esse projeto é suspeito – diz o morador da Pereira da Silva, Victor.
Já o arquiteto Edison Musa considera desnecessária toda essa discussão em torno da reforma, já que está tudo dentro da legalidade.
- Isso é uma discussão de surdos. Quem quiser pode ir à prefeitura procurar o processo e ver que há todo um arcabouço legal. Está tudo conforme manda a lei – afirma Musa.
A diretora de assuntos jurídicos da Amal, Regina Carqueijo, é a favor de um projeto justo para o bairro.
- A Amal é a favor da legalidade, da proteção e de tutela do interesse público do bairro - diz.
Segundo ela, é importantíssimo que os moradores se interessem pelo assunto e discutam qual será a melhor solução para o problema.
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Projeto existe há 10 anos
A parceria do Cenáculo com a construtora Bulhões de Carvalho e Klabin Segal surgiu há dez anos no intuito de promover uma reforma no prédio, que está em péssimas condições.
A primeira idéia seria a construção de três prédios de cinco andares e 40 apartamentos, totalizando 120 apartamentos. Os moradores foram contra o projeto por sua grandiosidade. A segunda opção seria construir um único prédio com 15 andares, porém os moradores foram novamente contra. Por fim, chegou-se ao projeto atual.
- No projeto, as árvores que seriam derrubadas antes da construção, seriam replantadas depois no próprio bairro – enfatiza o arquiteto.
Com o novo empreendimento, as freiras receberiam uma porcentagem da venda dos apartamentos e poderiam reformar o Cenáculo. O resto do dinheiro seria para pagar os engenheiros e arquitetos envolvidos no projeto. O engenheiro responsável pela obra, Celso Sukow diz que já está tudo pronto para o início das obras, mas os moradores não querem aceitá-la.
- O licenciamento já está pronto. O projeto já foi aprovado na CET-Rio, na Secretaria do Meio Ambiente e na Secretaria de Urbanismo. Nós já propomos discutir o assunto com os moradores e eles não quiseram ouvir a proposta.
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IMAGENS INTERNAS DO CENÁCULO
O surgimento do Cenáculo
A Congregação de Nossa Senhora do Retiro no Cenáculo nasceu em 1826, em La Louvesc, pequena aldeia na França no intuito de expandir a palavra de Deus às pessoas. Em 1928, foi feito um pedido à Congregação para que desenvolvessem suas missões religiosas no Brasil.
As freiras vieram para o Rio em 1928, mas, somente em 1941 compraram e se mudaram para a casa nas Laranjeiras, onde estão até hoje. Desde então, as 14 freiras que moram lá atuam em vários trabalhos sociais e religiosos. Ajudam as jovens carentes e gestantes do Pereirão, catequizam jovens adolescentes e noviças prestes a virarem freiras, e também ensinam artesanato para as crianças, que também lancham no Cenáculo.
Muitas idosas também passam a tarde na Congregação confeccionando roupinhas para as gestantes carentes. A Irmã Ilda, freira responsável pelo Cenáculo do bairro disse que isso é muito importante para as senhoras. “Isso dá sentido à vida delas porque elas se sentem úteis.”
As freiras buscam aproveitar todo o espaço que elas têm na casa desenvolvendo várias atividades. Elas atendem pessoas que vão em busca de ajuda espitirual, fazem grupos de oração. Todas as noites há um grupo de reflexão bíblica e, além disso, há retiros espirituais de oito dias seguidos. “Nós procuramos despertar a fé e fazer um trabalho espiritual com quem nos procura. Atualmente, temos 10 jovens se formando para serem freiras”, acrescentou Irmã Ilda. Para elas, a casa possui um valor sentimental muito grande. “Nós temos muito amor por essa casa. Estamos aqui desde 1941 quando a compramos e não gostaríamos de ter que sair daqui”.