Crônica ganhadora do
Concurso "Laranjeiras em Prosa e Verso"
Pudim de Cachaça
Baixo, negro, bigodes ralos. Os olhos, duas bolas avermelhadas. Os pés, inchados, crestados.
Era o Pudim. O Pudim de cachaça. Amigo das crianças, dos velhos e dos cães sem dono. Sua casa era a praça São Salvador. Como cama, os bancos de duras ripas de madeira.
Era o Pudim. Aliás, o Augusto. Era como queria que o chamassem. O "gusto" soava "guchhto".
Sexta-feira era festa. Era feira. A praça se enchia de barracas coloridas, de feirantes sacrificados. As hortaliças, as frutas, os peixes, tudo era alegria para o Pudim. Nesse dia, ele esperava a hora da "xepa" e, infalivelmente, levava para minha mãe ora uma tangerina, ora um ramo de flores murchas. Chamava-a "madrinha", porque ela era a única que o tratava pelo nome.
Os moleques da rua, ao fim de certo tempo, já não o importunavam mais. E o apelido, de trocista, passou a carinhoso.
Os motoristas dos ônibus, que faziam ponto na praça, adotaram-no. No final de semana, pagavam-lhe a barba. No final do mês, o cabelo. E o Pudim passou a ajudar na manutenção dos carros. Por um nada, sentia-se importante.
A casa continuava a ser a praça. A escadaria do chafariz, o local ideal para curtir a bebedeira diária. E assim levava a vida o Pudim.
Num dia de inverno brabo, encontraram-no morto. Alvoroço na praça. Os motoristas se cotizaram, pagaram o enterro (teve até coroa!). E, sete dias depois, missa. Tudo dentro do usual.
A praça, agora, abriga outros moradores: bêbados, mulheres edemaciadas, crianças sem lar. Mas nenhum deles consegue ter a dimensão sentimental do Pudim. São anônimos, fila interminável de vidas mortas, nenhum se nos destaca.
Os motoristas de ônibus já não são mais os mesmos, as crianças cresceram, a feira mudou de lugar.
Entre o passado e a nova realidade, a imagem do Pudim permanece:comovente, patética, intemporal, dando-nos a certeza de que ele morreu Augusto, como sempre quis.
Maria Angélica Monnerat Alves
-----------------------------------------------------------------------
Maria Angelica Monnerat Alves, moradora do bairro de Laranjeiras, é guia de turismo, professora de português, francês e português para estrangeiros, além de revisora, como pode ser visto no site www.portugueasy.com.br
Atualmente está organizando um tour: "Conheça a história do Cosme Velho a pé", no dia 7/10, às 9 horas, saindo da Praça da rua Pires de Almeida. Inscrições de 20 a 30 de setembro, na Mil Dicas Papelaria (Rua das Laranjeiras 462, lj 21). Investimento: R$ 20,00, com direito a café nos jardins do Instituto Cultural Austregésilo de Athayde no final do percurso.
Como fotógrafa amadora apresenta seu trabalho nos endereços: www.fotolog.com/angemon
www.flickr.com/photos/angemon
Suas crônicas estão no site www.almacarioca.com.br no link crônicas (em ordem alfabética)