03/06/2011
A degradação do Rio Carioca
O rio, que se confunde com a própria história da cidade do Rio de Janeiro, se tornou um grande valão de esgoto
Por Flávia Ribeiro
O Dia Mundial do Meio Ambiente é festejado neste domingo, 5 de junho. Os moradores do Rio de Janeiro, cidade de natureza exuberante, erguida entre o mar e a montanha, têm muito o que festejar. Mas têm também muito o que lamentar. O estado atual do Rio Carioca é um dos motivos. Com sua nascente na Floresta da Tijuca, o Rio Carioca atravessa o Cosme Velho, Laranjeiras, Flamengo e Catete antes de desaguar na Praia do Flamengo. Principal fonte de água doce da cidade na época colonial, o rio transformou-se em um grande "valão de esgoto", segundo o biólogo Mário Moscatelli, que trabalha na recuperação de manguezais em Gramacho, na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Canal do Fundão e nas lagoas de Jacarepaguá e coordena o Projeto Olho Verde, no qual monitora o meio-ambiente da região metropolitana do Rio de helicóptero.
Rio Carioca no terminal de ônibus - Cosme Velho
"Você tem um conjunto de fatores: primeiro, a deficiência na manutenção e na modernização da rede de esgoto e das elevatórias pelo poder público; em segundo lugar, há a questão da educação, porque parte da população joga tudo nos rios, desde sacos plásticos e lixo doméstico até televisões, rádios e móveis. E você ainda tem as comunidades como a favela do Cerro Corá, onde eu acho pouco provável que haja uma rede de esgoto que sirva a todos os moradores. Deve ir tudo sem tratamento direto para o rio, através de esgotos clandestinos. O resultado eu vejo sempre que sobrevoo a foz do Rio Carioca de helicóptero: o que chega é uma verdadeira pasta de cocô", analisa Moscatelli.
O Rio só não contamina a Baía de Guanabara porque desde 2003 está em funcionamento uma estação de tratamento que filtra os dejetos. O problema é atacado no fim do curso, mas são necessárias outras ações para salvar o rio. "É preciso que se identifiquem os pontos de tratamento clandestino, que se multe, que se amplie a rede de esgoto e se mantenha e modernize o que já existe. Não é só o Rio Carioca. A Bacia Hidrográfica do Rio de Janeiro foi transformada em parte da rede de esgoto", afirma Mário Moscatelli, que espera mudanças nos próximos cinco anos, com a proximidade da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016: "A perspectiva é que, com esses grandes eventos, o poder público deixe de lado a maquiagem e faça melhorias de verdade", diz.
Será uma boa oportunidade de recuperar um rio que se confunde com a própria história da cidade. Já em 1503, o navegador português Gonçalo Coelho, em uma expedição pela costa do Brasil recém-descoberto, mandou construir uma casa na foz do rio. Os índios chamavam um tipo de peixe cascudo de acari e casas de oca, em tupi guarani. Acredita-se que esteja aí a explicação etimológica para o nome carioca: os homens brancos, com suas armaduras que parecem escamas, passaram a ser chamados de acaris, e a casa construída virou acari-oca, que depois serviu para nomear o rio e os habitantes da cidade, os cariocas.
No século XVII, o rio começou a ser canalizado e ter seu curso desviado. Já no século XVIII, em 1750, foi construído um aqueduto - hoje os famosos Arcos da Lapa - que levaria água do rio até o Largo da Carioca. O Cosme Velho era conhecido como região das Águas Férreas, e se desenvolveu às margens do Carioca. Suas águas eram tão importantes que chegaram a suscitar lendas: diziam que deixavam as mulheres mais bonitas e os homens, mais vigorosos. Hoje, se forem bebidas, só deixaram homens e mulheres doentes.