O Globo - RIO - 04/11/2007
Planos para um novo Cosme Velho, com ou sem acesso ao Rebouças
Projeto de revitalização do bairro já está sendo estudado pela prefeitura
Paula Autran
Fim de linha até a inauguração do Rebouças, em 1967, e bairro de passagem desde então, o Cosme Velho agora é o centro de uma polêmica que gera reflexos em toda a cidade. A luz, no caso, vem do fim definitivo ou não do acesso que liga a região ao túnel e que está fechado desde o desmoronamento de terra que causou a interdição do Rebouças por uma semana. A princípio, a alça de descida para o Cosme Velho deve ser liberada em duas ou três semanas, mas a de subida pode ficar até seis meses inacessível, porque passa bem embaixo de onde está sendo feita a obra de contenção da encosta. Tempo suficiente para se discutir e avaliar uma série de propostas para revitalizar a região de passado bucólico, onde viveu o escritor Machado de Assis.
Além de estudar o fecha-ou-não-fecha definitivo do acesso, a prefeitura também está analisando um projeto da Azevedo Agência de Arquitetura para o Cosme Velho. Orçada em R$ 3 milhões, a proposta é criar o Corredor Cultural do Cosme Velho - que já tem um grande potencial turístico, por causa do Corcovado - estimulando a visitação de locais como a Bica da Rainha, o Museu Internacional de Arte Naïf e a Casa de Austregésilo de Athayde, assim como a geração de trabalho e renda. No pacote, estão a revitalização da Praça São Judas Tadeu e a transformação do terminal de ônibus do Cosme Velho num centro comercial. O projeto prevê ainda a criação de uma praça sob o Viaduto José de Alencar (o do Rebouças) e a integração dos largos do Boticário e Professor Silva Melo, valorizando o Solar dos Abacaxis.
Estacionamento com 130 vagas e centro gastronômico
O projeto já estava em estudo desde agosto no Instituto Pereira Passos (IPP) e será apresentado este mês pelo presidente do órgão, Sérgio Besserman, ao prefeito Cesar Maia, para que ele decida se vai executá-lo ou não. Mas, diante dos fatos ocorridos no Rebouças, um dos arquitetos autores do trabalho, o ex-secretário de Projeto Urbano de Nova Iguaçu Rodrigo Azevedo, conta que enviou sua proposta diretamente ao prefeito. O assunto também já foi levado por ele ao secretário estadual de Transportes, Júlio Lopes.
- Sem o Rebouças, renascem dois bairros, Cosme Velho e Laranjeiras, com crianças na rua, bicicletas, menos barulho e poluição. Se aprovar o projeto, o prefeito adota um conceito urbano de vanguarda: transforma o Cosme Velho num bairro ambientalmente sustentável, podendo certificá-lo no US Green Building Council, nos Estados Unidos, como ecologicamente correto, que faz bem à saúde de moradores e de toda a cidade - defende Rodrigo, uma das aproximadamente sete mil pessoas que vivem na região (fora os cerca de dez mil moradores de comunidades carentes do entorno, que também circulam por ali). - Mas o projeto é viável com o túnel fechado ou não.
A parte mais complicada do Corredor Cultural do Cosme Velho é a viabilização do novo terminal de ônibus, que passaria a receber menos linhas (o que seria facilitado com o fechamento do Rebouças). O terminal teria espaço para 18 coletivos, incluindo os de turismo, no térreo. No primeiro piso, haveria um estacionamento com 130 vagas para carros e, no segundo, lojas e um centro gastronômico para atender não apenas os moradores, mas também os 600 mil turistas que visitam anualmente o Corcovado, sem estender passeio às ruas do bairro. Pela proposta, o investimento seria privado e se daria através de uma concessão da área, que é municipal, por período a ser determinado.
O presidente da Associação de Moradores do Cosme Velho, Alceu Júnior, apóia o projeto de revitalização. Mas, antes de decidir que posição tomar em relação ao fechamento do acesso ao Rebouças, reúne-se amanhã com representantes das associações de Laranjeiras (Amal) e do Flamengo (Flama). A idéia é fazer um plebiscito para ouvir os moradores dos três bairros.
- Nem na minha própria casa há um consenso. Para quem vai para o Centro, é um bom negócio fechar. Mas e na hora de ir para a praia, por exemplo? Por isso, queremos ouvir os moradores. Não somos uma ilha. Vamos seguir o que a maioria pensa. Até o poder público achou interessante o plebiscito - explica Alceu.
Fechamento de acesso é discutido desde 1979
O subsecretário municipal de transportes, Dalny Sucasas, confirma:
- Há dois ou três anos, quando adotamos o mesmo modelo de fechamento na alça que ligava a Lagoa-Barra à Marques de São Vicente, na Gávea, as pessoas diziam que seria um caos. E não foi. Mas cada caso é um caso. Estamos aproveitando a situação do Rebouças para estudar a acessibilidade da região como um todo. Pode-se criar acessos pelas ruas Estrela e Alice. Tudo tem que ser pensado. E o plebiscito pode ajudar.
A discussão sobre as vantagens e desvantagens do isolamento do Cosme Velho é antiga, segundo o arquiteto e historiador Nireu Cavalcanti.
- Quando a Associação de Moradores do Cosme Velho foi fundada, em outubro de 1979, fui o primeiro presidente. E já naquela época tive que administrar exatamente esse conflito. Enquanto alguns moradores defendiam o fechamento do entroncamento, que foi construído para ser provisório, outros reclamavam que a medida atrapalharia o caminho para a praia - relembra ele, que vive na região há 40 anos. - O Rebouças nasceu numa época em que o governo incentivava a construção de
highways . Essa saída para o Cosme Velho é uma contradição: como uma linha expressa pode ter uma ligação intermediária?
Nireu conta que nos tempos de Machado de Assis - no fim do século XIX - a Rua Cosme Velho era uma lindíssima alameda arborizada, com o Rio Carioca correndo a céu aberto, protegido por muretas e cercado por bancos. A região era de chácaras. Na capelinha de uma delas aconteceu o casamento de Machado, que alugou um chalé ali perto para viver com a mulher. A vida bucólica do bairro começou a mudar em 1908, quando o então prefeito e morador de Laranjeiras Pereira Passos mandou canalizar o Rio Carioca e cortar as árvores de uma das margens. Depois da inauguração do Rebouças, em 1967, o Cosme Velho ficou ainda mais longe do passado.
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Fotos de Márcia Foletto
Legendas:
Enquanto o acesso ao túnel não é aberto, moradores aproveitam o caminho praticamente livre para passeios de bicicleta na Rua Cosme Velho
Crianças brincam na rua: cenário de cidade pequena no tradicional bairro de passagem e trânsito pesado
Projeto de um prédio com estacionamento e centro comercial no lugar do atual terminal de ônibus.