O Globo - 15 de março de 2007
Crise Leva Museu de Arte Naïf a fechar as portas
Casa no Cosme Velho, que abriga maior acervo de pintura ingênua do mundo, só receberá grupos agendados
Maria Elisa Alves
Uma Crise financeira que se arrasta há anos fechou ontem as portas da centenária casa branca, com detalhes azuis na fachada, que abriga desde 1995, no Cosme Velho, o maior acervo de arte naïf do mundo. Como adiantou Ancelmo Góis em sua coluna ontem, o
Museu Internacional de Arte Naïf não funcionará mais para o público em geral. A instituição só receberá, a partir de hoje, visitas agendadas para grupos de, no mínimo, dez pessoas, ou escolas.
Reduzir o funcionamento foi a forma encontrada por Jacqueline Finkelstein, diretora do museu, para driblar as dificuldades financeiras. Contando apenas com uma verba anual da Secretaria municipal de Culturas, de R$ 230 mil, e com a arrecadação da bilheteria, ela diz que é impossível manter a instituição sem patrocínio. Ela calcula que precisaria de R$ 650 mil anuais para deixar as portas abertas para os dois mil turistas que visitam mensalmente a casa.
- Já fizemos vários projetos, todos lindos, para pedir patrocínio, mas todos são recusados. Trabalhamos com um terço da verba necessária. Nestas condições, foi impossível manter as portas abertas – lamenta.
Jacqueline conta que, em dezembro, mandou ofício para a Secretaria municipal de Culturas e para o Ministério da Cultura relatando a situação. Segundo ela, a prefeitura disse que não poderia aumentar a verba. A União não respondeu.
- Aguardo resposta do ministro. O museu representa bem o Brasil no exterior – diz Jacqueline, filha do fundador da instituição, lucien Finkelstein.
Maioria dos funcionários foi dispensada: restam apenas 5
As agruras financeiras têm sido sentidas pelos funcionários e afetam o acervo. A maior parte dos funcionários foi dispensada: só há cinco pessoas trabalhando. A reserva técnica, onde ficam guardadas obras não expostas, sofre com infiltrações.
- No mês passado, quarenta quadros foram perdidos, atacados por cupins. Temos infiltração quando chove. Corremos para pôr baldes debaixo das goteiras. Precisamos de patrocínio para a reforma – diz a diretora, que informa que visitas para grupos podem ser agendadas pelo telefone 2205-8612.
O prefeito César Maia disse acreditar que o museu não fechará em definitivo:
- A prefeitura faz aporte todo ano, mas de forma aleatória. Ele não vai fechar as portas, vai acertar a modelagem para ajustar os custos e o faturamento. É questão de gerência.
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Um retrato pueril do cotidiano
Suzana Velasco
Considerado o mais completo gênero no mundo, o Museu Internacional de Arte Naïf (Mian) reúne um acervo de cerca de seis mil obras, sobretudo pinturas, das quais 500 são mostradas em exposição permanente. O museu reúne telas de pintores de quase todos os estados do Brasil e de cem países, do século XV aos dias de hoje. São obras de artistas como Leandro Joaquim, Cardosinho, Chico da Silva, Isabel de Jesus, Paulo Pedro Leal e Gerson, que recentemente fez uma grande retrospectiva no centro Cultural Correios. Com seu estilo pueril e colorido, que retrata elementos do cotidiano, a arte naïf ainda é vista com preconceito por muitos, mas a diretora do Mian, Jacqueline Finkelstein, acredita que isto já se modificou.
- Acho que a arte naïf está sendo bem mais aceita, reconhecida e valorizada – afirma Jacqueline. – A pintura naïf brasileira é considerada uma das melhores do mundo. Não existe uma exposição, bienal ou trienal de arte naïf em que os brasileiros não estejam incluídos, e quase sempre através do museu.
Em 1985, o colecionador francês Lucien Finkelstein criou uma fundação sem fins lucrativos para, dez anos depois, inaugurar o museu. O Mian tem as duas maiores telas naïf do mundo: “Brasil, 500 anos”, de Aparecida Rodrigues Azevedo, medindo 1,40 x 24 metros; e “Rio de Janeiro gosto de você, gosto desta gente feliz”, obra de Lia Mittarakis que mede 4 x 7 metros unindo o Maracanã, o Dedo de Deus, em Teresópolis, e Búzios, uma junção de elementos típica da arte naïf.
Dese a sua abertura, quase metade dos visitantes do espaço, um casarão do séculoXIX com mil metros quadrados, a poucos metros da estação de trem do Corcovado, é de turistas. Esse número caiu para cerca de 30% no ano passado, queda que Jacqueline atribui à violência na cidade.
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No alto foto de Marcelo Carnaval/16-08-2000:
A tela “Descobrimentos portugueses”, exemplo de arte naïf, que veio de Portugal para ser exposta no museu