05/11/2007
ATITUDES DE PREVENÇÃO - XVIII
O ATROPELO
A chuva forte, que um tempo ruim trouxe aos moradores, atropelou o transito da cidade e do bairro, trazendo a todos o tempo de deixar em casa as suas máquinas, e mais tempo para refletir sobre os caminhos por onde passam e conduzem suas vidas.
A cidade vive um caos temporário, surpreendida pela necessidade repentina de reestruturar suas mãos de direção e muitos passaram a acordar mais cedo para dar conta de seus compromissos. Outros passaram a dormir melhor e até a acordar um pouco mais tarde. Nada que não se possa reorganizar, por força da necessidade e por conta da criatividade.
O bairro perdeu sua característica de prolongamento de um túnel e recuperou ares bucólicos, com as ruas virando uma ciclovia natural, com os pássaros sentindo mais prazer em cantar para a platéia do silêncio, e os homens com mais facilidade (e certamente mais tempo de vida) para respirar.
Para os moradores mais antigos a possibilidade de tranquilidade e maior lazer local. Para os mais novos, o contratempo no acesso à Zona Sul nestas épocas e idades de praias e luaus.
Mas tem também os Comerciantes, as Escolas.
Para aqueles que trabalham além túnel fechado, nos dois sentidos, um transtorno.
Para aqueles que apenas circulam pelo bairro, ou que a ele chegam pelo outro lado, uma dádiva.
Alternativas tem que ser discutidas e encontradas.
Porém, o melhor resultado que se pode conseguir de toda esta situação, virá com a exposição e solução dos problemas a que uma população residente está sujeita em seu cotidiano:
- Trânsito caótico e poluído para os que moram e respiram ininterruptamente o ar deste lugar, e que não tem como fugir para dar uma corridinha em volta da Lagoa.
- Ruído ambiente insuportável para aqueles que escolheram para seus dias de tempo avançado melodias mais agradáveis do que roncos de motores e buzinas.
- Calçadas ridiculamente pequenas, e precariamente defendidas dos riscos de um tráfego irresponsável e mal sinalizado pelos valentes e cambaleantes fradinhos de cimento, comprometendo gravemente a segurança dos que não se deslocam sem usar seus próprios pés.
- Árvores centenárias e sem cuidado, adoentadas e tontas por tanta agressão, às suas raízes também, que desabam aos pedaços ou por inteiro, atropeladas pelas ventanias do tempo ou pela força dos desgovernos de homens e máquinas.
O que mais tristemente chama a atenção durante este momentâneo atropelo da vida, é a veemência com que se manifestam, das mais diferentes formas, algumas pessoas que nunca tiveram boca, olhos e ouvidos para qualquer uma das necessidades desta sociedade e do bairro ao qual pertencem.
Fazem do Túnel Rebouças um prolongamento vital de seu próprio umbigo, cujo cordão se apressam a restaurar, mas não movem uma palha pela sociedade peri-umbilical.
E o pior, quando assim acontecer, emudecerão suas pretensas poderosas vozes.
Pelo orifício aberto do ir e vir, não serão mais atropeladas pelo tempo.
Mas continuarão sendo atropeladas pela poluição do ar, pela ausência do silêncio, pela exigüidade de espaços seguros para os pés, por árvores e fradinhos caídos, por más notícias.
O tempo que aparentemente se perde agora é o mesmo que está sendo ganho para enxergar melhor, e deve ser usado para encontrar as soluções sociais que o automatismo da vida nos impede de obter.