Variedades |
/Sergio Castiglione |
Quando pergunto a minha filha, 18 anos, em quem ela se espelhou para construir sua estrutura de pensamento, sua visão crítica, seus propósitos de vida, a resposta vem com a esperada obviedade.
São os ídolos que se enfileira ao longo da vida, desde o primeiro olhar materno, desde o primeiro sorriso do pai babão.
Muito já falei de um tripé cujos alicerces foram abalados.
O professor, o líder espiritual, o médico, cada um por motivos inerentes, aos poucos foram perdendo importância, ou deixando que ela se esvaísse.
Os líderes políticos não mudaram para melhor, muito ao contrário, permanecendo como a classe que mais contribuiu ao longo da história para a degeneração da formação humana.
Os ícones da juventude, necessitados da mídia capitalista e voraz tornaram-se passageiros, fugazes, vendidos, fúteis, perniciosos, em sua grande maioria.
Os amigos, estes passaram a compor, à priori, uma comunidade virual, descartável, inodora, insosa, de ocasião.
A formação de novas famílias, descartada "sine die".
Esta não é uma visão que se aplique apenas a um País, a um sítio geográfico, a espaços temporais. Porque na verdade estes hiatos, estes vácuos, estas distâncias há muito se diluíram com o galope tecnológico.
Entretanto, permanece ainda como sustentáculo da convivência social a história de longa duração de cada etnia, de cada grupo cultural.
Sem dúvida alguma, culturas milenares tiveram mais tempo para ensinar, para educar, para cultivar dentro de cada um de seus membros, o respeito pela vida e pela relação entre cada indivíduo e destes com o que lhes existe em torno.
O que aconteceu no Brasil, numa cidade maravilhosa como o Rio de Janeiro, é fato passível de ocorrer em qualquer lugar do mundo, porém ocorrerá menos naqueles ambientes em que respeito ao próximo seja parte do que mais se aprende com os diferentes ídolos da nossa formação.
A Educação conquistada ao longo de centenas de anos pode deixar de ser "fruto proibido" no Brasil, e em qualquer outro lugar, por simples e pura vontade política. Há recursos e tecnologia para isso, e a Educação pode avançar mais do que cinquenta anos a cada cinco.
Talvez ainda haja quem não queira acreditar, mas é fato e todos sabemos.
A Educação FAZ DIFERENÇA.
Portanto, por mais que enlutados, é necessário que se atente para o que aconteceu com visão alongada, desprovida de expectativas das exposições pessoais, crítica em sentidos mais profundos.
Poderia me alongar muito sobre o tema, sobre o qual já escrevi (inclusive em tristes premonições), porém devo me permitir maiores reflexões, não sem antes abordar abaixo(apenas como exemplo de síntese) dois momentos daquilo tudo que se viu até aqui sobre o triste fato.
Ontem, um líder político, desqualificado para tal e para tantos outros tal, aventurou-se em diagóstico e agressão, determinando que, em contraposição à figura do herói, estava a figura do "psicopata e animal".
Hoje, em programa matinal de uma emissora de TV, um profissional tranquilo e tranquilizador abordava, assim como ontem fizeram a criminologista Ilana Casoy e o psiquiatra Talvani de Moraes, os aspectos preventivos relegados ao descaso, a saúde mental sem política definida, o provável abandono ao qual serão contemplados os protagonistas deste episódio.
Durante esta semana, minha turma de Faculdade regalava-se em relembrar nosso discurso de formatura ocorrida na Reitoria da UFRJ, dezembro de 1977, em ato de significativo posicionamento político, e que se encerrava com o seguinte parágrafo:
A Organização Mundial de Saúde define saúde como sendo "um estado de bem estar físico, mental e social e não ausência de doença". Nossa conclusão é que a nação brasileira só poderá gozar de saúde com estabelecimento de amplas liberdades democráticas.
E Amanhã?
Por certo, no consultório, duas ou três pessoas me procurarão para "pegar um atestado" que a escola pediu. Valerá por seis meses, talvez um ano. Substituirá o exercício profissional de muitos colegas, no âmbito de Instituições de Ensino, aliás segmento já ocupado em parte pelos.....seguros de saúde escolar.
Profissionalmente qualificado, atestarei, para os devidos fins, que o menor goza de plena saúde física e mental.
Mas, se a definição da OMS está correta, quem completará a parte que falta no meu atestado?
"Dorme minha pequena
Não vale a pena despertar
Eu vou sair
Por aí afora
Atrás da aurora
Mais serena "
Acalanto para Helena - Chico Buarque
Sergio Castiglione
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