Cheguei cedo em casa, me surpreendendo com o barulho de mulher e filha rindo juntas, em torno de panos coloridos e de uma máquina em cima da mesa da sala, numa cena que me levou instantaneamente a uma viagem pelo tempo, a filha serpenteando entre avós, mães e tias, brancos cabelos.
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Cansado e sonolento, passei horas sentado na poltrona, frente à TV, numa alucinada mistura de sons e imagens, fantasias e realidades,
Sianinha
Mãe, o que é uma sianinha?
É uma fitinha que se coloca na roupa e que parece com uma cobrinha, uma curva pra cá uma curva pra lá e...., foi dando uma soneira.
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Dona Stela sentava mais de seis horas por dia em frente à máquina. Às vezes parecia submergir em meio ao mar de tecidos e carretéis. Sempre atenta a tudo, cuidava da casa enquanto minha mãe trabalhava, dava conta de três filhas e quatro netos, e usava seus dons para manter todos muito bem vestidos E saía tudo mais em conta do que se tivesse que vestir todo mundo na Sears ou na Mesbla.
De vez em quando eu ganhava roupa da Sua Majestade.
Na hora de jantar, surge a imagem da minha mãe oferecendo jardineira e roupa velha. Resolvo dar um tempo na viagem, e converso com meus botões, digo, neurônios.
Celulaszinhas, hoje vocês estão simplesmente Társicas
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O Imperador jogou bem, mas quem marcou foi o Nilmar. Um pouco antes do jogo uma retrospectiva do Jornal mostrava aspectos da passagem de quatro décadas. O Zico, ídolo dos 80, despedido do clube russo, quem sabe vem pra ser técnico do Flamengo.
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Nascido em São Cristóvão (padroeiro dos motoristas), na rua Argentina (vocês viram a cara do Maradona?) guardo lembranças de um campo de barro, o trinta e cinco, onde dei os primeiros chutes, iludido com a Cruz de Malta.
Pai rubro-negro não teria filho vascaíno, e virei casaca antes dos cinco anos.
O pai gostava dos esportes ligados à briga, que na época eram o futebol, o basquete e o remo, programa completo para o domingo. Lagoa seguida de Maracanã, com uma parada no meio, em uma casa de frios de um amigo dele, para almoço, papo e xadrez.
Acho que as mulheres gostavam de ficar em casa, panos e roupa velha.
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Mãe, o que você está fazendo?
A resposta encontrou eco nas minhas sonolentas cabeçadas.
Alinhavando.
Mas pra que voce faz isso? Porque não faz tudo logo de uma vez?
Não dá para fazer tudo correndo, tem que testar antes, corrigir os erros, proteger os dedos.
Usar dedal.
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Descia a rua correndo, no velocípede. Com as mãos, sem as mãos.
Bronca da avó
A cara no chão. A bochecha cortada.
Um táxi preto e brilhante, a primeira motorista mulher do Brasil.
Não consigo mais lembrar seu nome.
E lá fui eu "tomar pontos".
Enquanto o médico costurava meu rosto, eu só lembrava da minha avó.
Tectectectectectectectectec.
Acordado pala vinheta do programa, sonho deslumbrante interrompendo outro.
Vermelho vivo, com bolinhas brancas, tomara que caia (não), bolsos enviezados, drapeado na cintura, fruto do trabalho de horas retrospectivas.
Raridade dos dias Prêt à Porter, em que esse encontro de mãe e filha se perde em tudo que é Cantão.
Por vezes, parece estar longe a época desta Aliança.
Nada que o tempo e uma boa máquina não possam voltar a costurar.
Tectectectectectectec
Máquina guardada, elas vão dormir.
Exaustas e muito felizes.
Vou aproveitar o silêncio aqui na sala e cochilar.
Lembro que esta poltrona era a preferida do meu pai.
Esfriou um pouco, e me cubro com o vestido.
Tem alguma coisa me alfinetando.
Acho que deixei um pessoal por aí em algum lugar.
Etcetcetcetcetcetcetc.
Sérgio Castiglione
PS: do Google
Postado por SAUDADES DO RIO em 17/07/2007 07:00
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