– Se há necessidade de referência explícita à "raça" negra no nosso país, admitamos que nenhum outro homem brasileiro foi mais aplaudido e reverenciado, em nossa terra ou fora dela, que um negro chamado Edson Arantes do Nascimento. Por suas qualidades de homem, de profissional. E não pela cor de sua pele.
– Se necessitarmos exemplos contemporâneos para dar base ao pensamento que exponho, cito a infeliz matéria levada ao ar durante o programa "Superpop" da RedeTV em 10/08/06; na mesma calçada, um rapaz negro e um rapaz branco se colocam a mais ou menos trinta metros de distância um do outro, nesta ordem. Ambos fazem sinal para táxis. São quatro episódios em que os carros não param para o rapaz negro, parando para o rapaz branco.
As imagens devem ser analisadas com cuidado, pois a intenção delas é a demonstração de um processo de racismo por parte dos motoristas.
Deve-se, entretanto, levantar algumas questões. Em primeiro lugar, devemos observar se a postura física de ambos, ao sinalizar para o táxi, é idêntica. Se a indumentária, componente usual para determinar a estratificação de nossa deturpada estrutura de classes vigente, não os diferencia. Se o tempo destinado à visualização da pessoa que sinaliza é o mesmo, com a mesma facilidade para a manobra de estacionar. Se houve a realização de tentativas com o posicionamento inverso dos dois rapazes. E, por último, uma grave omissão, mesmo que justificada pela necessidade de proteger a identidade dos motoristas - qual é a "raça" dos motoristas?
A quem interessa tudo isso?
– Ainda para exemplificação, acreditando piamente em nossa boa formação moral e profissional, que tipo de monstro seria aquele colega que, ao atender em sua clínica diária, crianças com cores de pele diversas, visse neste fato uma razão para determinar cuidados, e conseqüentemente oportunidades futuras, diferentes entre si? Ou assim agisse diferenciando-as pela possibilidade de render-lhe honorários? Será que devemos destituir de suas integridades os profissionais responsáveis pela formação de nossos filhos, os professores e os médicos?
– Nas escolas, discute-se na atualidade, de forma mais abrangente, um antigo e interessante fenômeno comportamental que já teve diversos nomes, e ao qual hoje chamamos de "bullying". Crianças e jovens que, de forma isolada ou em grupos, adotam atitudes ou fazem comentários sobre outras, de forma jocosa ou às vezes agressiva abordando, inclusive, características físicas como: quantidade de gordura, tipo de cabelo, jeito de andar, cor de pele, marcas de nascença, e inúmeros outros etc., atitudes estas que visam a ter a mesma força desestabilizadora do velho e já ultrapassado "xingar a mãe". Este tipo de atitude, quando entre adultos de um mesmo ambiente de trabalho, recebe o nome de "mobbying". E elas não podem, apenas em alguns casos, configurar uma atitude de racismo.
Afinal, qual é o poder que subjuga o mundo? Que cor de pele ele tem?
Nossa população, empobrecida sem distinção de cor pela ação dos usurpadores, se aglomera em regiões de baixas condições de moradia, saúde, e higiene, tendo seus direitos mais legítimos utilizados ininterruptamente como moeda de barganha em processos eleitoreiros.
É verdade que boa parte desta população é de negros e de suas diversas formas de descendência e miscigenação. É exatamente aí, nesta miscigenação, neste acúmulo de experiências, que se encontra o imenso poder não aflorado (e por alguns, com interesses escusos, mantido ignorado) desta imensa parcela de nosso povo.
Neste momento, mais do que discutir o tema em novelas, e muito além dos limitados horizontes das abordagens carregadas de falsas boas intenções, cabe a esta população, sem distinções de qualquer espécie, valorizar-se e não aguardar nem aceitar de seus falsos senhores as migalhas que lhe vem sendo oferecidas através deste desequilibrado sistema de escambo dos programas e das concessões sociais.
Valorizem-se, recusem os estereótipos, resgatem o poder da cidadania e da imensa cultura que têm, independam de favores eleitoreiros, jamais se aceitem como pobres, burros, doentes ou feios, sejam os donos verdadeiros de suas vidas e de sua evolução.
Reconheçam-se apenas e indistintamente como seres humanos.
Contra a guerra encomendada da distinção de cor.
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