Variedades |
/Sergio Castiglione |
Descia eu distraidamente a Rua Cosme Velho, brincando de vai e vem com o passado e o presente, embora atento ao sobe e desce do piso das calçadas.
Atravessei a Alegrete e, alguns passos adiante, me pareceu ouvir uma criança gritando:
_“Beijos pra mamãe, beijos......”
Pés apoiados no chão tantas vezes já pisado, o verde e o branco da fachada me fizeram olhar para cima, e cachos louros relampejaram meus olhos
Quanto tempo fazia. Cinco anos, talvez um pouco mais?
_”......beijos pra vovó, beijos......”
A vovó estava lá, lá embaixo, na porta da escola. Ou estaria lá em casa, rua mais acima de onde saí ainda agora, forte e ativa como se o tempo não tivesse passado, como se o máximo de rugas em cada um de nós fosse apenas característica genética, como se juventude e ranzinzice pudessem conviver para cima e para baixo pela duração da eternidade.
Quantos anos mesmo? Quando foi que viemos morar com ela? Fazem o que, uns dez anos?
Mais alguns passos, eu de frente para a casa, um dia Cantão, ouço mais uma vez a voz, lá do alto, do cantinho.
_”......beijos para a Nina, beijos para voce, beijos.....”
E os beijos cortavam o ar e o jardim, flutuavam, estalados, curtos demais, silenciosos demais, prolongados, doces ou muito doces, sempre acompanhados de um abraço real, virtual, sem igual, desses que não dão tapinhas nas costas nem criam efemeridades.
Abraços intensos, dados de lado, lado a lado como se apontassem e dissessem: “vamos andar para lá, em frente, juntos”.
Olhei para o alto, o passado me olhando de cima, a lembrança, um calafrio, uma gôta caindo ao chão.
Quanto tempo.
Olhei para a pequena sacada de onde há quinze anos, durante algum tempo, por repetidos dias, a cada manhã, ela aparecia, vida escolar iniciando, subindo degraus, descendo véus, distribuindo seus doces beijos.
_”......beijos pra Lica, beijos......”
Lica, a babá irmã do porteiro Antônio e do zelador Severino, cunhada da cozinheira Rosa, cresceu, casou, subiu na vida, desceu a rua e foi embora. Cansou de brincar de sobe e desce na Rua Cosme Velho, nos ponteiros do relógio, nas escadas de ensinar e aprender, nas portas e sacadas do Miraflores.
Eu também cresci, mas não cansei não. Sei que os anos passaram.
Sei em que ano estamos.
No Miraflores tem um pequeno parque de brinquedos.
Quando os pais são levados por seus filhos aos parques, eles balançam, eles empurram, trepa-trepam, rodam e escorregam. Mas apenas em um dos brinquedos eles brincam juntos, um em cada ponta, olhos nos olhos, risos nos risos, sobe e desce e desce e sobe, passado e presente.
Mais alguns passos, espicho o olhar sobre o muro vizinho, subo na minha gangorra para ver se ela está lá e, claro, não a vejo.
Apenas escuto sua voz, que sorri para mim e alimenta o meu dia, antes de correr para as salas de aula, gritando:
_”.......beijos pra todo mundo.”