17/09/2010
ALÔ, TEM ALGUÉM EM CASA?
O telefone tocou mais de dez vezes e não atenderam.
Intrigado, repeti a ligação.
Mais tantas vezes, e nada.
Naquela casa sempre tem alguém para atender.
Na verdade, quase sempre a Damiana.
A baiana faladeira trabalhava na casa do meu irmão há 26 anos.
Faltava pouco para se aposentar. Aliás, acho que não faltava o tempo.
Faltava era coragem para desamarrar os nós.
E quando conseguisse, ela voltaria para a Bahia.
Aos poucos estava construindo uma casinha lá.
Na casa da minha mãe, Josefa era a cozinheira.
Josefa me lembra torta de banana e suspiro.
Morava na Mangueira. Ficou lá em casa 15 anos.
A Inês, filha dela, por vezes ia lá.
Bela morena do meu eu adolescente.
A Diná era a passadeira.
Morava lá pra São Goncalo.
Arrumadeira também.
Em dias de festa não faltava.
E arrumava pro marido ser o garçon.
Quem ficou menos tempo foi a Mabia.
Mabia, uma negra de quase dois metros.
Jovem, belo sorriso.
Dela, eu gostava e tinha medo.
Por besteira, foi embora.
A Nadir era a babá deste irmão.
Eu e o outro nao tivemos babás.
Eram apaixonados um pelo outro. E explosivos.
Um dia ele jogou um brinquedo nela. Pegou na testa.
Ela chorou muito e foi embora no dia seguinte.
Depois que todas se foram, veio a Alaide. E foi meu pai.
Alaide foi anjo e cão de guarda da minha avó e minha mãe.
Alaide dormia no chão ao pé da cama.
Por vontade própria.
Para estar atenta às necessidades noturnas.
Quando minha mãe morreu, me fez um único pedido.
Que a gente cuidasse da Alaide.
Alaide ganhou casa e pensão.
Assim foi por treze anos.
Este ano, antes da Damiana, também foi visitar minha mãe.
Alaide tinha ciúmes da Francisca.
Francisca chegou para cuidar do meu filho.
E depois cuidou da minha filha.
E depois casou e teve um filho, que minha mulher batizou.
E continuou por lá, mesmo depois que eu saí.
Casei de novo, outra casa.
Antonio, o porteiro, era irmão do Severino, o zelador.
Casado com a Rosa, nossa cozinheira.
E irmão da Lica, que foi babá da minha princesa, já antes dela nascer.
Minha filha, sem nunca sair do Rio, era Paraibana por adoção.
Nos fins de semana, Lica compunha uma trupe de oito, na Caravan.
Ia conosco para uma casa na serra.
Quando tinha folga, quem asumia era a Andreia.
Andreia foi a outra babá da minha filha.
Hoje, dezessete anos, são amigas e comadres.
Andreia mora na serra. Lá onde nossa casa já faz 50 anos.
Andreia casou com Leandro e teve Breno.
No tempo dos meus pais quem cuidava da casa era a Eudocia.
Eudocia era mãe do Zé Cural, que hoje cuida do jardim.
Foi o Zé plantou aqueles sabiás da minha mãe.
Damiana não ficava doente.
E se ficava, não falava. Tomava chá.
Tomava muito chá.
Ficou doente. Tomou chá. Chá demais.
Hepatite tóxica fulminante. Coma.
A baiana não atendeu o telefone.
Damiana voltou para a Bahia.
Calada, embalsamada, para outra morada.
Ninguém atendeu o telefone.
Que permanece mudo, por amor e por saudades.
Por telefone, eu precisava mandar,
lembanças pra esse povo todo.
Dizer que ainda estamos aqui.
Dizer muito obrigado.
Falar com voces.
Um beijo pra Damiana,
pra Josefa e pra Inês, pra Dina e pra Mabia e pra Nadir,
pra Alaide e pra Francisca,
pra Rosa e pra Lica, Antonio e Severino,
pra Eudocia, pro Ze e pra Andreia.
Sergio Castiglione
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