21/05/2010
AS PARTIDAS
Eu assistia as partidas
Com os olhos vidrados.
Sentado num banco de cimento.
Aos craques, pedia benção.
Havia uma hierarquia interessante, que ditava as regras para o uso do gramado.
Cada um que chegava colocava seu nome num quadro à beira do campo.
Quando chegava a 12, se formavam dois times e saía o primeiro jogo.
Daí pra frente os jogos se sucediam, ao longo do dia, como se sucedem os próprios dias.
Os mais jovens chegavam cedo, porque os mais velhos e experientes tinham prioridade para as partidas.
Apesar de haver à disposição outros esportes, andar a cavalo ou de bicicleta, nadar no açude ou ir para a cachoeira, eu gostava de ficar um tempo por ali, assistindo e tentando aprender com os craques.
Meus amigos dirão que fui um péssimo aluno, mas havia bons professores.
Meu pai jogava de vez em quando, e acho que eu "saí aos meus", pois ele era o verdadeiro "beque de roça".
E enquanto a bola rolava, ali na lateral do campo a gente ouvia histórias e aprendia um pouco mais sobre o lugar, e sobre as pessoas que o tinham construído.
Foi assim que conheci o Rafael.
Rafael, rubro-negro, morou em Laranjeiras, ali naquela rua que dá de frente para a Itajahy, bem juntinho do Posto Texaco da esquina.
Ele era o cara que trazia as pessoas de táxi desde a Praça Mauá quando ainda não tinha grana para ser sócio do Clube Fazenda da Grama.
No campo, o atacante do tipo "entrão", com fama de brabo.
Um homem cuja biografia certamente ultrapassa em muito as quatro linhas que marcam este meu campo de jogo.
Anos depois me tornei dirigente do Clube, e tive a felicidade de trabalhar durante dois anos com aqules que mais amavam a Fazenda.
Aprendi com todos eles, Curi, Chico, Ary, Marly, Marcelino.
Mas me impressionava sempre a dedicação ímpar do Rafael.
Apesar de ter sido Presidente mais de uma vez, e de ser o Presidente de Honra, me honrava como Diretor de Patrimônio, como amigo, e tinha absoluto respeito à hierarquia daquele momento.
Tenho um orgulho muito grande, que só agora revelo, de ter participado na idealização e construção, na entrada da Sede, do hall que abriga a galeria de fotos dos Presidentes do CFG.
Talvez tenha sido esta a maneira que encontrei para chegar à altura dos que lá estão.
Me sinto em débito com ele, por não ter me feito presente nos últimos tempos.
A vida continua,
Continuam os jogos do dia.
Continuam os dias de jogo.
E nós aqui, órfãos de então,
Assistindo as partidas
Com os olhos vidrados.
Sentados num banco de cimento.
Aos craques, pedindo benção.
Sergio Castiglione