27/02/2006
O Choro e o Riso
Por Sérgio Castiglione
As grandes lições da vida vem da capacidade de aprender com a observação da natureza, isto é, de ver as coisas seguindo o seu caminho natural.
Não me lembro, em trinta anos de prática médica, de uma criança que tivesse aberto o primeiro sorriso antes de ter, inúmeras vezes, derramado as suas lágrimas. E também não me lembro de nenhuma que não tivesse sorrido antes de completar três meses de idade.
O choro é natural; é a manifestação primeira da estranheza das coisas novas, das sensações que diferem do que já é conhecido.
O bebe chora de fome, de dor, de frio, de coceira atrás da orelha ou no dedinho do pé. Quando não conseguimos perceber de onde vem essa manifestação, sem nos darmos conta de que a razão esta ali, "tá na cara", o que a gente faz? Nina. Ou diz que vai passar.
Com o tempo ele aprende a mostrar aquilo que o incomoda, a falar sobre o assunto dominar a dor ou o frio, matar todos os tipos de fome, tomar as atitude necessárias para resolver suas angústias. E, de algumas vai até achar graça.
O bebe cresce, amadurece, percebe que pode, que é capaz.
Agora, entende o "vai passar".
A natureza nos transforma assim, em caçadores de sorrisos, em Pierrôs e Arlequins, em Bailarinas e Trapezistas, em Leões e Domadores, em Mágicos e em Palhaços.
Aprendemos enfim, com o sofrimento que vem do momentaneamente incompreensível, injustificável e inaceitável. Até que, depois de assumir tantas personagens nos reequilibramos na corda bamba da vida e seguimos a diante. Na primeira pessoa do plural.
Sempre.
Esta pode parecer uma crônica enigmática com abordagens entrecortadas sobre a natureza, os bebes, o circo nosso de cada dia, os homens que amadurecem, as meninas que passam voando pelos vinte e um anos.
Na verdade, ao admitir a naturalidade do crescimento e do choro antes do riso, uso esta oportunidade carnavalesca para falar da história de um povo, de um Brasil, que já chorou o que tinha para ser chorado e que, amadurecido e emancipado, tem agora o sagrado direito de rir. De eternamente rir.
"...cada paralelepípedo desta cidade
esta noite vai se arrepiar"
(Vai passar - Chico Buarque)