"Tio, me compra uma bala?"
Quantas vezes escutamos esta frase, e não atentamos para o significado real deste pedido?
Hoje em dia, nos Supermercados, temos escutado "Moço, compra este feijão pra mim", numa variação mais moderna, mais contundente, embora a maioria de nós apenas aumente a barragem que nos separa ao responder pro guri: "hoje não tenho", "amanhã", "só trouxe o dinheiro da passagem".
Fome de Inclusão.
Por vezes doce,
Ou ilusão.
Me lembro perfeitamente do meu avô subindo a ladeira da
Rua Argentina, em São Cristóvão, onde eu morei durante meus primeiros anos de vida.
Meu avô,
o italiano Dante, engenheiro de profissão, era especialista na construção de "diques". Ao chegar ao Brasil, trabalhou na lavoura, também como caseiro e, à época de meu nascimento, era portuário.
Meu pai que sempre trabalhou para firmas
americanas e
inglesas, nasceu paulista.
E eu, carioca.
Meu avô usava sempre um paletó de bolsos largos, e um guarda-chuva pendurado no braço esquerdo.
Acompanhado de dois cachorros, um pastor
alemão chamado Skipper e um pastor
belga chamado Duque, eu o esperava a cada fim de tarde.
Embora fosse apenas este o contato que eu travava com a vida daquele homem tão grande, eu sabia tudo dele e aprendia tudo de bom nas palavras que trocávamos enquanto nos sorríamos, cachorros latindo, e
"as deliciosas balas brotando a cada dia daqueles bolsos mágicos".
Mesmo quando escrevo com amargura, sinto que as balas da minha infância me adoçaram para sempre.
As que vi, as que comi, as que cheirei, as que toquei.
E com certeza aquelas mais doces, as que ouvi.
Bela história.
Cheia de moral, em tempos xenofóbicos e de balas perdidas.
É óbvio que não conto esta história em vão.
Se para tudo na vida existe o sim e o não, para as morais da história tem que haver as amorais.
Se rompo meu dique, tenho que atirar minhas balas na direção certa, não as posso perder.
E, se são tão doces as balas, porque tantas são perdidas.
Reescrevendo
Amorais da História:
Na Europa, os Suecos encabeçam a lista dos que menos necessitam trabalhar para viver bem, em torno de 32 horas semanais, no que são acompanhados por vários outros povos europeus, cuja carga horária semanal não ultrapassa 38 horas. Eles têm padrão de vida extremamente superior ao nosso, têm licença maternidade de até 1 ano, têm licença paternidade, têm férias e boas oportunidades de lazer, cultura, educação e informação de alta qualidade.
Mas não nos querem por lá.
Nos querem onde suas indústrias nos necessitam como mão de obra barata a 44 horas semanais cheias de falsos benefícios sociais, para transformar os insumos que nossa terra lhes oferece à preços vis em produtos industrializados de alto custo.
Nos querem onde seus grandes conglomerados financeiros nos possam usurpar lucrando com o crédito a juros escorchantes que nos oferecem para comprar os seus produtos.
Nos querem nos locais onde suas indústrias, instaladas sob incentivos fiscais que nos negam os benefícios dos impostos, são livres para destruir o meio ambiente que nos pertence.
Como diz um amigo que tem a língua plesa, tudo devidamente "lobbado"
É da terra de Cain que vem a cruel sentença.
É muito fácil dizer que "a vida é agora" quando no final do mês, o custo desta verdade é de 0,01% do orçamento familiar, não comprometendo a compra dos ingressos da final do basquete.
É diferente quando o custo da "urgência da vida" fica entre 10 e 15% ao mês, diminuindo consideravelmente a quantidade de feijão no prato
Criança é que gosta de brincar de faz de conta.
Tanto lá como acolá.
Mais iCi
....O guri no mato, acho que está rindo,
Acho que ta lindo de papo pro ar
Desde o começo, eu não disse, seu moço
Ele disse que chegava lá......
(O Meu Guri - Chico Buarque)
Sérgio Castiglione
Médico Pediatra
[email protected]