Variedades |
/Sergio Castiglione |
Pela frequência com que escrevo sobre mulheres e mães, poderia transparecer uma ligação menor com meu Pai.
Lêdo engano.
Um truque.
Que há anos me engana.
Óbvio que sempre tive mais facilidade de expor meus angustiados dias para ela.
Coisas de entranhas.
Não havia medo dele, e sim paixão e muito respeito.
Pelos acertos que educaram meus caminhos.
Pelos erros, que quando perdoados pela minha mãe, conseguiam o perdão eterno.
Sabia jogar.
Homem forte, me carregava nos ombros e na corcunda, meu lugar cativo quando os dois braços, literalmente, se dobravam em colo para os meus irmãos.
Bom motorista, nunca fez barbeiragem (ou nunca admitiu ter feito), transporte seguro para cada dia seguinte, no carro ou a pé, em pensamentos e atos, em aventuras literárias.
Beque da roça, simplesmente “levantava” qualquer atacante que ousasse dribá-lo, principalmente se fosse por “baixo das pernas”.
Gols, na vida, fez muitos.
No campo, raros como seus cabelos.
Não curtia Carnaval, mas sua Estação era sempre a Primeira.
Bom em matemática, todas as viagens eram como um passeio folheando o “Homem que Calculava”, de Malba Tahan e de Julio Cesar.
Aprendi a fazer conta de cabeça no carro, apostando quem era mais rápido.
Tabuada, eu decorei antes de entrar no Pedro II.
Aos Domingos tínhamos uma rotina digna de Hércules (aliás, leu comigo várias vezes os Doze Trabalhos, e tudo do Monteiro Lobato).
Acordava cedo, fazia feira como se passeasse por uma ruazinha da sua cidade natal.
Voltava para casa e preparava café da manhã para todo mundo.
Depois partíamos para os trabalhos.
Remo no Estádio da Lagoa, Futebol no Maracanã, Basquete no Maracanãzinho.
Sempre o Vaco contra o Flamengo.
Rubro-negro nascido em Lençóis Paulistas.
Vivia metido em brigas e discussões apaixonadas, às vezes com a torcida própria.
E os três filhos, os verdadeiros Hércule(s), se desdobrando para levar o “velho” inteirinho de volta pra casa.
Quando havia folga nos “trabalhos” passávamos a manhã numa delicatessem de um amigo dele, inicalmente na Tijuca e depois na rua Duvivier em Copacabana.
Chopp sem Lei Seca, presunto de Parma e intermináveis partidas de Xadrez.
Ambos jogavam bem e aprendi muito.
O almoço em casa, feito por ele, o melhor cozinheiro de Domingo que a GNT não conheceu.
Na hora da sobremesa, quando já havíamos devorado a torta de banana da Josefa, surgiam sobre a mesa as caixas de madeira com as frutas compradas nas andanças da manhã.
Dava gosto só de ver o prazer dele em abrir cada uma delas, e confirmar suas boas escolhas.
Havia uma especial, espada, rosa, calotinha, com a qual ele se lambusava, dedos e lábios, camisa e guardanapo e borda de toalha, e que a todos oferecia em pedaços, ensinando a repartir, como quem distribuísse o pão da vida transbordando o néctar dos Deuses.
À noite, pouca TV e nenhuma Internet, passeio a pé até a Praça Saens Pena, para tomar sorvete da fruta preferida no SEM NOME, originalmente Hebon, contando quantos passos havia entre uma esquina e outra.
Gostava de jogo, de qualquer jogo.
Campeão de Sueca entre os portugueses da Rua Marechal Floriano e de São Cristóvão, professor emérito de meus conhecimentos de buraco, noites adentro em pôquer com os amigos mais abastados.
Pif.
A vida, pessoal e a profissional, não caberia em uma biblioteca e muito menos num texto.
Começou a trabalhar como Boy de escritório.
Cresceu, dentro de uma mesma firma, até chegar a sub-gerente.
Então tornou-se cobiçado pelas empresas do seu ramo.
Mudou de empresa uma única vez, tornando-se parte dos expoentes mais graduados.
Todos o chamavam pelo apelido de “Mestre”.
Cresceu, cresceu, também em amores e angústias, até que um dia não voltou dos seus céus.
Paf.
Não me ensinou, nem minha mãe, que homem não chora.
Todos choraram, e muito.
Tinha tanta honraria, no dia que não acabou, que parecia até pessoa ilustre.
Repórter perguntando quem era o cara da serenidade contagiante.
Eu não chorei.
Nem na hora e nem depois.
Bem.
Às vezes, quando o nariz coça, e uma saudade aguada com sabor conhecido lava minha vista, levo meu rosto ao encontro dele.
E revejo meu Ás.
Na manga.
Sergio Castiglione
[email protected]
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