Já anoitecia quando voltei para casa.
A Praça ainda mantinha lampejos de um burburinho que lhe é peculiar desde os primeiros raios da manhã.
Parte da Babel, que sobe ao Cristo pela Estrada de Ferro todos os dias, ainda descia no último trem.
Trago comigo os frutos de mais um dia abençoado.
Cedinho, após driblar a barreira humana de turistas, vendedores, flanelinhas, oficiais da ordem, e da desordem, entrei no carro e desci a Rua Cosme Velho serpenteando no asfalto que hoje cobre o leito do Carioca.
Neste Janeiro quente e de águas trágicas é um alívio saber que elas estão passando por baixo.
Sinto um certo excesso de sol, quem sabe me faltem as sombras e o frescor das crianças em aulas.
Ouço gemidos de galhos quebrados, de troncos cortados.
Como o rio, que caminha para o mar, sigo em direção da Praia do meu Flamengo, hoje campeão da Copinha de São Paulo.
Entre a José de Alencar e o Cara de Cão se interpõe uma rua cinza e se estende um horizonte verde “chamado” Burle Marx.
Passeio pelo Aterro, passo pelo Passeio, avisto o Municipal, Baía da Guanabara e Pão de Açucar. Subo a Perimetral e me deparo, no Pier Mauá, com os gigantescos Transatlânticos C, que trazem, todo verão, essa gente do mundo para conhecer a alegria da vida que é cativa da alma do povo do Rio de Janeiro.
Linha Vermelha de lágrimas, Maré de lágrimas.
Montanha abaixo.
Às lágrimas, o cimento da solidariedade.
Reconstrução.
E a crença. Vai melhorar.
Vem sol,
Vem praia.
Tem amanhã.
No fundo, por trás de tudo, o Dedo de Deus.
Volto da Ilha no fim da tarde, trânsito lento de pipocas rosas e biscoito Globo até a entrada da Linha Amarela.
Luzes.
Dos faróis dos nossos carros,
Do Engenhão do Botafogo,
Da Nossa Senhora da Penha do Alemão,
Do Oswaldo Cruz do Ney Matogrosso,
Do Vasco de São Januário,
Da ponte que nos une a Araribóia e Niemeyer
Do Sambódromo, de Brizola e Darcy, e da Mangueira que foi e voltou,
Do Ministério da nossa santa Paz,
Da Candelária de nossas profanas Guerras.
Das velas das marinas,
Das velas do aniversário.
Das velas de promessas,
Das velas de São Judas Tadeu.
Enquanto escrevia, chorei e ri um Rio inteiro.
A Praça agora está vazia.
O Rio já foi dormir.
Lá em cima,
proseando com a lua,
uma luzinha ficou acesa.
Sergio Castiglione
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