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© 2005 Isabel Vidal
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28/08/09 - UM BAIRRO MELHOR

Chiquinho, Chico, Francisco,
Ilmo. Doutor


Recebi uma carta registrada.
Assunto sério, desses que a gente quer esquecer.
Dia de sol. Sento no banco, carta na mão.
No meu bairro tem uma Praça.
Tento me animar pra ler a carta.

Na Praça do meu bairro tem um Chiquinho.
Conheci Chiquinho na Praça.
Quem não conhece o Chiquinho?

Chiquinhooooooooo!!!
Já pra dentro.

As mãos sujas, a lama no sapato.
Um sorriso de moleque, pura felicidade.
A curiosidade da vida satisfeita a cada segundo, sem o certo nem o errado, e a vida ensinando as coisas através dos doces, da casa da avó, dos gols, do joelho ralado pelo muro pulado.
É verdade que às vezes tinha uma bronca, um castigo.
E de vez em quando uma ameaça cumprida pela mãe entre lágrimas e beijos: amanhã não tem bicicleta, e se não comer levo pro médico.
A injeção, terrível.
"Dói menos que joelho ralado" dizia o Doutor.
"Hum".
Os amigos, indistintos até na hora das brigas. Um branco, um preto, um chinês, o gordo, três magros, o riquinho e os outros.
E a infância passando, leve.

De repente, um estranho empurrão.
Olha em volta, pra cima, pra baixo, pros lados.
E nada.
Ansioso, estica o olhar até o horizonte.
E nada.
Procura a mãe, o pai, a avó. Tenta escutar, tenta entender.
E nada.
O Doutor, o Padre quem sabe?
E nada.
Os amigos, enfim alguma resposta.
Um caminho, uma direção. Todos passam por isso, escuta.
Tem muro, tem gols e joelheiras, doces menos doces, avó no aniversário.
Discussão com a namorada, com lágrimas e beijos também.
Chiquinho estudou comigo. Jogava no meu time.
Era lateral, virou centro-avante.
"Cresceu, heim?".
"É, o Chico me empurrou,
Pra frente. Pra dentro".

Já fazia um tempo que eu não via meus amigos.
Onde será que anda o Chico.
A vida afasta a gente, traz novas necessidades, vai tomando o tempo.
Agora tenho que agendar hora e segurança para fazer bicicleta andar.
Muita lama no caminho, muros pra contornar.
A última vez que me confessei foi na Primeira Comunhão.
Esqueci o nome do médico, se é que eu tenho um.
Não vou lá desde......
Toca meu celular, atendo:
"Ôi cara, é o Francisco".
"Quem?"
"Francisco, teu amigo, o artilheiro da escola, lembra não?
"Chico?" Dos muros? Da bicicleta? Do medo de injeção?"
"Da Praça?"
"É, Francisco."

Senti que o Chico tinha ficado pra trás.
Francisco tinha voz séria, tensa, meio triste.
Precisava falar com alguém, nada de mais não.
Mas pra que servem os amigos?
Separado há pouco tempo, dois filhos que via de vez em quando.
Os avós foram ficando pelo caminho.
A mãe, no ano passado.
O time, tricolor, coitado, estava na lanterna.
Mas de resto tudo bem.
A saúde, gripes fora, perfeita.
E muito bem de vida.
Profissional liberal, bem sucedido.
Só que andava meio sem ter com quem falar.
Queria jogar futebol, tomar sorvete, pular muro, ralar joelho.
Se sujar com lama da boa.
Lembrou de mim.
Boa Praça.

Desligo o telefone.
Ajeito os óculos.
Abro a carta

Ilmo. Doutor

Chiquinhooooooooooo!!!
Já pra fora



Sérgio Castiglione
Médico Pediatra

[email protected]







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