Sempre que pensamos sobre a nossa existência deveríamos deitar nossos olhos no mar; e tentar entender porque ele tanto nos atrai ou atormenta.
A água. Começamos a vida dentro dela, uma gota se encontrando com outra.
Costumo perguntar a idade dos meus pacientes e receber como resposta desde uma contagem de meses ou um dedinho levantado até emburrados doze ou orgulhosos dezoito anos. E retruco que não é assim tão simples.
Digo a eles que temos algumas centenas de milhares de anos, procurando iniciar reflexões sobre genética e interação com meio ambiente. E por aí vai, atravessando milênios de adaptações e sobrevivência até que papai e mamãe se conhecem. Forma-se um novo ser, de uma espécie secular, e é muito importante que seja entendido desta forma, pois aí estão reunidos passado, presente e futuro.
Esta pequena criatura se desenvolverá durante nove meses num ambiente de total proteção. No útero materno, alimentado pelo sangue que vem e vai no compasso do coração da mãe, envolto em um líquido que manterá constantes todas as melhores condições para tal crescimento, a pele estará protegida de agressões e de variações ambientais e, em completa interação com o ser materno, cada sistema do novo ser será ativado na medida em que alcance maturidade para tal.
O nascer ocorrerá, em parte, a partir desta maturidade. Porém, ocorrerão algumas situações inquietantes. De imediato, dois desligamentos de grande significado orgânico e psicológico para mãe e filho(a): a saída do útero materno (alguém que estava dentro e protegido agora estará exposto ao mundo exterior); e o corte do cordão, que levará o bebê à primeira sensação de existir por conta própria, angustiante expectativa para a mãe.
O choro, manifestação desta independência, chega através de uma espécie de dor que ocorre quando os pulmões se inflam pela primeira vez, recebendo o oxigênio da vida que antes vinha pelo cordão.
Paralelamente a isto, a convivência com a luz (que não existia), com os sons (que eram bem diferentes), e com as agressões a pele, ao sistema digestivo e ao sistema respiratório (que antes "não funcionavam"), necessitará de algum tempo de adaptação, geralmente em torno de três meses.
Explica-se assim a ocorrência de tantas bolinhas e assaduras na pele. E a alternância de golfadas e soluços, de cólicas e de gases, e de eliminação de fezes em cores, freqüência e consistência variáveis, já que o organismo novo precisa aprender a ingerir, digerir, absorver e eliminar os alimentos. É possível entender também tanto espirro, ronqueira .e irregularidade de ritmo respiratório, decorrentes da necessidade dos pulmões de receber oxigênio com pureza, temperatura e umidade adequados. Som e luz também afetarão o bebê, cujo organismo passará a funcionar num ritmo que deverá aprender a respeitar composições hormonais variáveis com o dia e a noite, e que estará , em tantos outros aspectos, buscando seu próprio ponto de equilíbrio.
Todas estas alterações, por naturais, deveriam ser acompanhadas com tranqüilidade para que se possa conhecer em amplo contexto como funciona este novo organismo, e não deveriam ser abordadas com a ansiedade que leva freqüentemente à intervenções desnecessárias.
É óbvio que para isto é preciso que um profissional esteja acompanhando de perto todos estes detalhes, certificando-se da naturalidade destes sintomas, o que será sempre mais provável enquanto um terceiro desligamento não tiver ocorrido: O desmame, com a interrupção precoce do aleitamento materno exclusivo.
Em resumo, creio que entender o início da vida de cada um de nós passa pela compreensão do imensurável significado:
da importância da água , da genética e do meio ambiente;
do cuidado com o binômio mãe-filho(a), durante todo seu
processo de desligamento;
da valorização dos processos naturais de adaptação;
de navegar com sorrisos e com fé,
num mar de lirismo e de poesia.
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