Conversa de livraria
Dando continuidade ao que foi enunciado no número anterior do jornal, continuarei publicando todos os textos vencedores e finalistas (crônica e poesia) do Concurso Laranjeiras em Prosa e Verso.
Cristina da Costa Pereira – Professora de Literatura e escritora, autora de Povos de Rua
Itinerário Amoroso por Laranjeiras boêmia
Eu pego de gostar de você sem exigência: sem gelo no uísque dos botecos do bairro, doce depois do jantar na tasca da Mário Portela, manteiga em vez de margarina na última padaria a fechar, fio dental à noite num hotel suspeito, roupa nova nas festas mais transadas do Fluminense, pimenta na moqueca no Bar da Rua Alice, colchão ortopédico naquele apê da Rua da Laranjeiras, peito de frango assado em qualquer pé-sujo, identidade na carteira em minhas rondas noturnas... Eu pego de gostar de você assim: despreocupado.
Eu pego de gostar sem regras de gramática: sem pronúncia impecável, todos os plurais com S, regências perfeitas, ortografia correta, M antes de P e B, domínio da crase, contenção de reticências, concordâncias verbais, pleno uso das vírgulas, ausência de cacófatos....Poeta popular das madrugadas do Baixo Alice, eu pego de gostar falando: eu te amo você.
Eu pego de gostar de você sem vergonha: com gargalhadas altas no Cine Buraco, amasso no portão do casarão do Império, beijo de língua no escuro dos becos antigos, lambida nos peitos na casa da luz vermelha, safadeza no carro sob a benção da lua, filme pornô no motel mais barato, camisinha do time (que só pode ser o das Laranjeiras)... Eu pego de gostar de você com amor e tesão.
Eu pego de gostar de você sem violência: sem bala perdida nos bangue-bangues do Largo, lâmina afiada no ventre na saída do metrô, assaltos a ônibus em direção ao Cosme Velho, tiroteios nos morros que enlaçam os prédios, roubo de vidas infantis nas escadarias da Igreja Matriz, torturas de mariposas em quartinhos estreitos, repressões a passeatas em favor da paz, tabefes na cara entre mulheres de cortiço brigando por homem, xingamentos na boca dos anjos da lua (e não meninos de rua), estupro da esposa num duplex classe média alta...Eu pego de gostar de você diferente do ódio: diluído em poesia.
Eu pego de gostar de você sem prazo, nesse meu itinerário pela boemia de Laranjeiras: pego de gostar sem Juízo Final, sem certidão de óbito, sem data limite, sem extinção de vela, sem carência de consulta, sem fim do caminho, sem ancoragem no porto, sem aterrissagem de helicóptero, sem descida à cova ou beco sem saída... Amor, eu pego de gostar de você assim: pra sempre.
1º Lugar no Concurso Laranjeiras em Prosa e Verso (crônica)
Autor: Sérgio Bernardo