Conversa de livraria
O acontecimento de sábado em Laranjeiras, desde cedo até o final da tarde, todos já sabem: é a Feira da Gal. Glicério, que se expandiu de feira, propriamente dita, onde se compram legumes, ovos, verduras, carne, peixe, frutas, flores, ervas etc. para feira cultural com barracas de roupas, bijuterias, artesanato, comidinhas típicas e saborosas e o fabuloso chorinho, com músicos da maior qualidade. E os livros não poderiam faltar nesse cenário de diversão e arte. Antes mesmo de entrarmos na Gal. Glicério, em plena rua das Laranjeiras, vale parar na banca de literatura de cordel de Jair Gonçalves Pinheiro, 81 anos, e ouvir um pouco de sua história: “Comecei em 1936 vendendo a revista
Modinha Popular. Cantava as canções e vendia a revista. Vim de Cordeiro (RJ), minha terra natal, para o Rio de Janeiro naquele ano. Por 54 anos trabalhei no Bilhar do Largo do Machado de dia e vendia o cordel, à noite. Em 1989, aposentei-me e comecei com o cordel aqui em Laranjeiras, onde moro há 20 anos, estando todos os sábados de 5 da manhã às 13h. Também vendo na Rocinha e no Bairro Peixoto. E vendia na extinta Feira de São Cristóvão, a da rua. Essa é a minha alegria.” Segundo seu Jair os autores mais procurados são Azulão, Apolônio, Patativa do Assaré e Gonçalo Ferreira. “Lampião no Inferno” as crianças adoram e fazem os pais comprarem e há também uma rapaziada que curte cordel”. E os nordestinos, indago, não são seus maiores fregueses? “Aqui em Laranjeiras quase não tem nordestino. Só na Rocinha e na Feira de São Cristóvão. Mas os poucos que existem só compram quando tem novidade.”
Entrando na Gal. Glicério, depois de curtir o chorinho e encontrar vários amigos, chego ao Sebo do Sérgio Calvoso, um espaço
cult dentro da Feira. Sérgio estudou ciências sociais, não completou o curso e depois correu mundo. Há 7 anos começou como “arrumador de livros nas prateleiras”, segundo suas próprias palavras, no extinto Sebo João do Rio, na rua do Catete. Quando o Sebo acabou e eles não tinham como pagar-lhe em dinheiro, pagaram-lhe em livros, o que acabou sendo excelente para Sérgio, que sempre foi amante e conhecedor de livros. “Em 2001 comecei a pôr livros na Pinheiro Machado, ao lado da AMAL, durante a semana, e no fim de semana, na rua das Laranjeiras em frente à Confeitaria Itajaí. Durou um ano e meio.” E o livreiro itinerante continuou na estrada, tendo ficado um ano no Sebo Saramago, espaço que ele criou dentro de uma galeria ao lado da Gaúcha. Mas o espaço ficava escondido e ele, sem maiores recursos para a divulgação, encerrou o Saramago. Morador do centro da cidade, veio, enfim, conhecer a Feirinha da Gal. Glicério e, nesse passeio, ao acaso, após conversações, surgiu o Sebo desde julho de 2003.
Paixão recíproca à primeira vista. “Fiz freguesia imediata. O pessoal que vem ouvir o chorinho também compra no Sebo, mas minha freguesia cativa é o morador da Gal. Glicério e ruas próximas, que vem fazer feira e compra livros comigo. O nível cultural deles é altíssimo. São intelectuais, professores, jornalistas, escritores... E também nesta barraca tenho feito bons amigos.” No dia em que fui entrevistar Sérgio, lá estavam Bruno Liberati, cartunista, jornalista e escritor, o intelectual Egeu, e Luciana Souto Maior, poetisa e Doutoranda em Literatura Comparada pela UFRJ. Todos moradores da Glicério. O Sebo de Sérgio é rico nas áreas de História, Filosofia, Crítica Literária, Medicina Alternativa e livros sobre arte (música, cinema, teatro). Romances têm pouca saída, só os especialíssimos. Sérgio não abre mão da qualidade e da excelência, logo, não vende best-sellers. Livros de auto-ajuda, nem pensar! E a poesia, Sérgio? “Saem mais os clássicos: Drummond, Bandeira, Florbela Espanca.”
Aos sábados, de 10 às 16 horas, caminhe em direção ao Sebo de Sérgio Calvoso (que, aliás, é um excelente papo) e certamente você adquirirá novos moradores para a sua estante.
Cristina da Costa Pereira
Escritora, professora de literatura e produtora cultural
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